HERANÇA DIGITAL DA MARÍLIA MENDONÇA

 

Recentemente foi noticiada a existência de disputa judicial acerca da herança digital deixada pela cantora Marília Mendonça, falecida em 05 de novembro de 2021.

Sabe-se que ao falecer, os bens deixados pela pessoa são transferidos aos seus herdeiros, dentre eles os herdeiros necessários e aqueles indicados por meio de testamento.

Em razão do avanço da tecnologia da informação houve verdadeira modificação das relações sociais e das formas de aquisição e bens, assim como no estudo e tutela dos bens jurídicos.

E, é claro, todas estas atividades têm implicado em grandes modificações no mundo jurídico. Essa mudança nos tipos de bens tem provocado reflexões em várias áreas do Direito, inclusive quanto aos bens digitais, não ficando de fora da discussão o Direito Sucessório.

Por isso, é certo que casos como do inventário da Marília Mendonça acontecerão com cada vez mais recorrência, sendo fundamental que o Poder Judiciário e os Advogados estejam preparados para solucionar esses conflitos, garantindo o respeito aos valores constitucionais.

Em primeiro momento, é preciso entender compreender a natureza desses bens digitais. Alguns desses bens possuem cunho eminentemente pessoal, enquanto outros, eminentemente patrimonial.

Não existem maiores dúvidas de que os bens digitais de ordem patrimonial transmitem-se aos herdeiros, assim como os bens corpóreos já amplamente conhecidos em nossa sociedade.  Ao falar em ativos patrimoniais, inexiste qualquer hesitação a respeito do caráter de patrimonialidade, de que é objeto da herança digital. Ou seja, é transmissível e, por isso, está sujeito aos trâmites do inventário.

O grande questionamento se dá no âmbito dos chamados bens híbridos, que são aqueles que em parte são de cunho pessoal e em parte de cunho patrimonial.

Existem duas correntes distintas no Brasil que disciplinam o assunto: uma primeira corrente entende que todos os bens digitais, sendo pessoais ou patrimoniais, transmitem-se aos herdeiros; por outro lado, uma segunda corrente entende que não se transmite todas as situações jurídicas, mas somente àquelas de ordem patrimonial.

Alguns doutrinadores entendem que esses dados pessoais que estão no mundo virtual projetam os direitos da personalidade no mundo virtual. E, por isso, assim como os direitos da personalidade, esses dados não poderiam ser objeto de uma mercantilização ou utilização indevida sem a anuência do indivíduo.

O Direito brasileiro prevê que a personalidade humana termina com a morte. Assim, em tese, as projeções da personalidade também deveriam terminar com a morte do indivíduo, do titular do dado pessoal. Contudo, sabe-se que o Código Civil em seus artigos 11, 12 e 20 prevê a tutela post mortem dos direitos da personalidade.

Por isso, há quem entenda que essas situações bens digitais híbridos, que contemplam situações de ordem pessoal e de ordem patrimonial, devem ser tuteladas de modo semelhante ao já disciplinado no Código Civil a respeito da tutela post mortem dos direitos da personalidade e direitos autorais.

Todavia, precisamos entender que a discussão a respeito dos bens digitais híbridos vai muito além do regramento dos direitos autorais, envolvendo questões a respeito do direito à privacidade do falecido e dos terceiros que mantinham contato com ele através das redes sociais.

Na internet, existe uma expectativa de privacidade diferente do mundo analógico. Para que se crie um perfil, uma conta, baixe um aplicativo, é requisitada uma senha para o fornecimento dos dados, devendo esta senha ser pessoal e intransferível.

Assim, com relação à pessoa falecida, há uma discussão a respeito de um remodelamento da privacidade no ambiente digital em razão da expectativa existente nesse espaço virtual. E essa privacidade também atinge terceiros, o que toca em um ponto ainda mais sensível do que tratamos anteriormente. Estas pessoas que utilizam e se relacionam através do ambiente virtual nutrem verdadeira expectativa de que esta conversa está sendo protegida.

Por isso, a ideia de transmissão de bens e direitos digitais que envolvem aspectos da personalidade aos herdeiros torna-se uma discussão muito mais aprofundada do que se imagina.

Sem sobra de dúvidas, a privacidade de terceiros deve ser considerada ao analisar o acesso dos herdeiros às comunicações promovidas pelo falecido, de maneira que não seja invadida a esfera da privacidade daquele terceiro.

É certo que este tema ainda não contempla uma única resposta, de maneira que vários juristas continuam estudando e aperfeiçoando a temática a fim de garantir a tutela dos direitos da personalidade dos envolvidos.

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